terça-feira, 16 de novembro de 2010

A metralhadora verborrágica de Camille Paglia - Jornal do Comercio(15.11.2010)



A metralhadora verborrágica de Camille Paglia Publicado no Jornal do Comercio em 15.11.2010

A filósofa americana não gosta de ser interrompida por perguntas. Prefere falar sem parar, gesticulando muito, com uma franqueza provocante, mesmo que lhe custe às vezes ficar numa posição solitária

Schneider Carpeggiani
 
“Nem pense em me filmar desse ângulo. Uma mulher da minha idade jamais seria favorecida por um ângulo desses”, esbravejou Camille Paglia para um cinegrafista de TV que teve a pouco estética ideia de filmá-la de baixo para cima, posição que, de fato, não ajuda ninguém – regra da natureza tão óbvia que qualquer não leitor de Freud, Shakespeare ou dos metafísicos pode recitar de cor. Foi bom ter esperado uma hora para entrevistar a professora do Philadelphia College of the Performing Arts, sábado pela manhã, no hotel Atlante Plaza, em que estava hospedada em Boa Viagem. O vazio típico de qualquer chá de cadeira pode se reverter num excelente exercício de observação, se você fizer um mínimo esforço de transcendência. E vê-la conversando com uma equipe televisiva foi um ótimo treino.
De cara, aprendemos que Camille não conversa, dá declarações. Consequentemente, ela sabe falar, mas é péssima ouvinte. Seu fluxo de pensamento non stop descarta qualquer roteiro do entrevistador sem cerimônias e sua notória metralhadora verborrágica é ainda mais veloz ao vivo. Sua origem italiana é ressaltada por um balé de mãos que pontua cada palavra dita de forma dramática. Cria da mídia, acalma o repórter que precisa regravar uma pergunta – “Estou acostumada, não se preocupe”.
Cinco minutos antes do início da nossa conversa, a lição do chá de cadeira se mostrou, de fato, bastante útil: deixar Camille falar e pronto! “Durante muitos anos, fui uma persona non gratta na academia. Meu livro de estreia, Personas sexuais, foi recusado por sete editoras. Os acadêmicos não queriam me escutar, as feministas diziam que eu era a favor da degradação da mulher, porque presto homenagem à pornografia de todas as formas. Eu me acostumei a ser uma voz solitária. Eu voto em Obama, mas critico os democratas. Não faço parte de turminhas ou frequento as rodas literárias”, começou Camille, fazendo uma espécie de cartão de visitas do seu pensamento.
Algumas horas depois veríamos Camille em ação naquele que parece ser o seu lugar favorito no mundo, o palco. Durante sua palestra na Fliporto, ela engoliu uma Márcia Tiburi que fazia cara de menininha perdida (como uma mediadora pode usar argumentos tão débeis quanto: “Eu sei que você gosta de Daniela Mercury, mas acho ela chata”?) e só faltou sambar na nossa frente ao falar de Lady Ga Ga, Madonna, do olhar gay, da matemática emocional do bar lésbico e das várias formas de poder feminino.
“Eu gosto do estilo de talk show, de ouvir as pessoas da classe trabalhadora falando. Eu gosto de ouvir os programas de rádio, para ouvir a voz do povo... Não fico encastelada numa comunidade de intelectuais que não tem contato com o mundo. Na verdade, esse é o problema do universo acadêmico dos Estados Unidos: pouco contato com a realidade”, confessou Camille Paglia, durante nossa entrevista.
A conversa durou por quase 30 minutos. Nesse tempo, só conseguimos interromper o fluxo de sua fala por duas vezes, para duas perguntas que ela só desenvolveu pela metade, afinal ELA e só ELA decide sobre o que vai falar. Apesar disso, a professora é simpática e segundo o repórter de TV que nos antecedeu na entrevista é até “fofa”. O pior é que achamos também! A conversa foi interrompida por seu agente, que tentava sofregamente fazê-la parar porque a hora do almoço urgia. “Acho que você tem um bom material aí do que eu falei para seu artigo”, despediu-se, ciente do (ótimo) arsenal provocativo que havia lançado em nossa direção. Acompanhe, então, um apanhado do nosso monólogo, ops, da nossa conversa.


» O mundo de Camille:



Sarah Palin – “Ela é um novo tipo de feminismo: uma feminista conservadora, que não tem medo dos homens, que não vê problemas em ter uma família”
Madonna – “Madonna está em declínio. Muito disso se deve à sua relação com a Cabala. A Cabala tem uma visão relax em relação à natureza e não tem o potencial visual e artístico do catolicismo. Um artista precisa de um senso de direção e Madonna perdeu isso, porque aceita as leis do universo. Ela pode até estar mais feliz agora, o que eu não acredito muito, porque ela continua uma workaholic”

Religião – “É estúpido achar que os ativistas gays vão mudar a cabeça do papa e que, do nada, ela vai dizer que é a favor do sexo gay ou da promiscuidade sexual. Deixem as religiões em paz, o problema é mudar as leis ”.
Catolicismo – “O catolicismo é ótimo para criar pornógrafos, foram os casos de Madonna e Robert Mapplethorpe”

Aborto – “A mulher tem o direito de fazer o que quiser com seu corpo, porque ele foi um presente da natureza, e eu levo a natureza muito a sério”

Direitos – “O Estado não pode se meter no direito privado do cidadão. Se alguém quiser usar drogas, por exemplo, deveria ter o direito de usar ”

Freud – “Leve a teoria de Freud para o Japão e ela não vai fazer qualquer sentido. Ele é o grande pensador do Ocidente”

Lady Ga Ga – “Lady Ga Ga tem um visual sofisticado, mas é rasa. Ela não tem a sofisticação das drag queens para envergar um vestido”

Gays – “Não é possível entender a homossexualidade apenas pela biologia. Há um sentido de drama em toda história gay que conheço”

Beleza – “Se um garoto bonito entra num bar gay, é ele quem passa a dar as cartas. Pode ter o homem mais rico do mundo ou a maior estrela de Hollywood, que eles perdem importância para o garoto bonito”.

Internet – “Eu me sinto menos solitária por causa da internet, mas tenho medo que ferramentas como Facebook e Twitter prejudiquem nosso senso de continuidade. Tudo é muito fragmentado. Será que essa geração que escreve no Twitter vai se interessar em ler um Thomas Mann?”


Fonte: http://jc3.uol.com.br/jornal/2010/11/15/not_400640.php


2 comentários:

  1. Dica do meu amigo pessoal e autor Leo Moz!

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  2. legal cada drogado ser livre para se drogar... na hora do desespero todos querem assistência do Estado, e quem vai responder pelas inconsequências na hora da loucura?

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